terça-feira, 30 de junho de 2009

O Brasil da seleção

Semana passada a seleção brasileira venceu a dos Estados Unidos por 3 x 0. Mesmo tendo sido apenas um jogo da primeira fase de um torneio secundário, os principais sites e jornais do país deram destaque ao resultado, com manchetes que pareciam disputar para ver qual era a mais vibrante. Mesmo sabendo que o futebol (lá vai clichê) é uma paixão nacional, nota-se que a atenção dada à vitória do Brasil é exagerada - talvez a maior do mundo em comparação à que outros países dão às suas seleções.

Na minha opinião, tal fenômeno deve-se ao nosso complexo de vira-lata. Em 1950, Nélson Rodrigues cunhou este termo para explicar a derrota do Brasil para o Uruguai na final da Copa disputada em solo brasileiro. Segundo o dramaturgo, nos consideravamos inferiores frente às outras culturas mundiais. Esse comportamento, o complexo de vira-lata, devia-se, entre outras coisas, à nossa história. Durante os 450 primeiros anos o Brasil para o mundo era apenas um exportador de riquezas como cana-de-açúcar, café, cacau, mulatas, ouro, diamante, etc. Os países ricos - compradores - assumiam frente aos brasileiros uma aura de superioridade devido à sua situação privilegiada. Deles importávamos a cultura, num esforço inútil de nos equipararmos através da imitação.

Os tempos mudaram desde que Nélson Rodrigues criou a expressão. Nos últimos 60 anos o Brasil ganhou destaque inédito no cenário internacional. Conquistamos cinco títulos mundiais, filmes brasileiros disputaram o Oscar, a música brasileira ganhou o mundo através de uma trilha aberta pela Bossa-nova, e mais recentemente o país vem sendo até considerado candidato a (finalmente) virar potência.

Porém, ainda guardamos no fundo de nossos corações um complexozinho de vira-lata de estimação. Apesar de toda modernização do país, ainda é bonito o sujeito dizer que vai viajar para a Europa, ainda valorizamos o importado mais do que o nacional, ainda achamos chique usar expressões em inglês quando temos iguais ou melhores em português e, o pior de tudo, ainda damos nomes “estrangeiros” aos filhos (uso aspas porque duvido que Richarlyson, por exemplo, venha de algum lugar que não da cabeça do pai dele).

É ai que entra a importância da seleção brasileira. O Brasil é como aquele garoto que fica no canto da sala e nunca consegue chamar a atenção das meninas. Seu momento de brilhar é no recreio, quando ele, o mais habilidoso, é o primeiro a ser escolhido na pelada e faz cinco gols. O futebol é onde ele supera os que considera grandes, e por isso ele espera ansiosamente a hora do recreio e quando chega em casa conta tudo eufórico para a mãe.

A seleção brasileira é o que faz o brasileiro, por alguns momentos, superar o complexo de vira-lata e se sentir superior a qualquer país do mundo. É no jogo da seleção em que somos os melhores, os imitados. Ao invés de olharmos com inveja para os mais ricos, no futebol são os mais ricos que invejam a gente. Por isso nossa imprensa e nosso povo tem tanto orgulho dos feitos do combinado nacional, repetindo o que o garoto do parágrafo anterior faz ao chegar em casa e contar tudo para a mãe.

O Brasil não é mais o vira-lata da época de Nélson Rodrigues, mas também não chega a pastor alemão. Frente aos grandes, nos consideramos Lassies, na melhor das hipóteses. Amamos tanto a seleção porque é ela que nos faz sentir superiores e esquecer momentaneamente nosso complexo de vira-lata. Vibramos quando o Brasil vence os EUA por 3 x 0 porque é a vez da Lassie morder o Pitt-bull.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

O natal dos Jacksons

Dia 25 de junho, exatamente seis meses depois do natal, será para sempre lembrado como o dia em que Michael Jackson renasceu. O ídolo pop já estava morto há tempos, mais precisamente desde que os escândalos e as esquizofrenias o tiraram da cena e levaram-no ao gueto de esquecimento. A morte biológica veio em boa hora, fazendo-o ressucitar da morte social e ocupar o lugar de mito, papel que nunca deveria ter deixado.


A pergunta que o mundo se faz agora é: quem matou Michael? Para mim, como já disse, ele estava há muito tempo morto, e a culpada desta fatalidade foi a indústria cultural. Este monstro que troca almas por dinheiro já fez várias e várias vítimas, dentre as quais podemos destacar, para não nos alongarmos muito, Marlin Monroe e Elvis Presley. O processo destes dois foi muito semelhante ao de Michael Jackson: talento, fama, dinheiro, loucura e morte social.


A industria cultural chegou a patamares inimagináveis no século XX. É uma forma desumana de tratar os artistas, buscando sugar deles o máximo de lucro. Para tal, adaptam-se à cultura os conceitos mais agressivos aplicados aos produtos feitos em série. O problema é que atrás do “produto” cultural encontra-se um ser humano, que muitas vezes não agüenta a pressão a que é submetido.


Michael Jackson já tinha uma cabeça complicada, fruto de uma infância difícil, e quando foi submetido à pressão da indústria não resistiu e entrou em processo de definhamento. Um adulto que precisava de carinho recebeu apenas um tratamento utilitarista, e não resistiu.


Quando o preto mais branco do mundo sucumbiu, foi deixado de lado. Após muitos escândalos e uma escalada de esquizofrenia, foi socialmente assassinado por aquela mesma indústria que o consagrou como rei do pop na década de 80. Michael foi parido pela indústria, morto pela indústria e renasceu com a morte.


Este renascimento o consolida em um lugar paradoxal. Talvez tenha sido ele o negro com mais vergonha da cor, mas talvez tenha sido ele quem mais fez pela cor. Foi o primeiro negro a vincular um clipe na MTV e também o primeiro a tocar nas rádios de rock. Com o seu talento, dinamitou as barreias estabelecidas pelo preconceito racial, alargando uma trilha que viria a culminar com a eleição de Obama.


Michael Jackson não morreu: renasceu para a história. Sua morte tinha sido decretada há muito tempo pela indústria cultural, mas agora ele voltou para ficar. Sua vida foi uma luta não intencional contra o preconceito. Seu legado é cultural e socialmente inestimável. Michael não queria ser preto, não queria ser adulto, não queria ser tão famoso, mas foi tudo isso e consolidou-se como uma das maiores figuras do século XX.