sexta-feira, 28 de agosto de 2009

O brasileiro tem Dado em casa


E o vencedor é... Dado Dolabella! Dado deu de dez em qualquer previsão e ganhou “A Fazenda”, o Big Brother rural da Record. A competição estendeu-se por três meses, reunindo na mesma casa 16 artistas, projetos de artistas, projetos de projetos de artistas e por ai vai. Dado ganhou oito disputas diretas com outros concorrentes, sempre em votação popular, e por final teve 83% da preferência do público contra a roqueira Danny Carlos, embolsando a bagatela de R$ 1 milhão.

A votação maciça em Dado foi a consagração de outro brasileiro: Mario de Andrade. Em 1928 Mario escreveu “Macunaíma”, livro cujo personagem principal, que dá título à obra, era a síntese do que o autor acreditava ser o brasileiro: passava o dia inteiro reclamando de estar com preguiça, não era capaz do menor ato de autruísmo e não fazia nada de produtivo. Vivia do trabalho dos outros e de pequenos golpes. A única coisa que gostava era de “brincar”, fazer sexo em sua linguagem. Era um anti-herói típico, a quem o autor chamava ironicamente de “herói de nossa gente”. O herói picareta de um povo picareta.

Dado também é um anti-herói. Nasceu em família rica, morou a vida inteira no Leblon, gastou muito mais do que arrecadou, quase foi preso por agredir uma namorada, brigou com um apresentador de televisão e chegou até a ir para a cadeia por desrespeitar determinação da justiça. Como se não bastasse ter entrado em “A Fazenda” como bad boy, lá dentro arranjou confusão com oito participantes, na maioria das vezes sem nenhuma razão.

A votação de 83% em Dado aliada às oito vitórias que ele já havia conquistado contra outros concorrentes mostrou que, 81 anos depois, Mario de Andrade continua atual. O brasileiro ainda se identifica com o anti-herói. Se não se identificasse, Dado teria sido eliminado muito antes, uma vez que nenhuma razão politicamente correta o indicava como vencedor. O público cagou para o fato de haverem participantes que precisavam realmente do dinheiro e outros com histórias lindas de vida. Num raro rasgo de sinceridade, votou naquele com que se identificou e deu um foda-se para o moralismo.

A vitória de Dado mostrou que Macunaíma é mais atual do que nunca. A gente pode até fingir que é politicamente correto, que gosta da ética, que valoriza o esforço. Qualquer ser pensante que veja nosso país sabe que um povo decente nunca teria produzido o Brasil, mas a gente poderia continuar se enganando. A vitória de Dado nos tira essa possibilidade. Mostra cruamente que ainda somos macunaímicos. Podem nos roubar a Amazônia, as mulatas e os jogadores de futebol, mas nossa picaretagem ninguém tira. Somos anti-heróis! Somos picaretas! No fundo do mato virgem da fazenda, nasceu Dado Dolabella, herói de nossa gente!

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Tá o maior bafafá!


“Tá o maior bafafá”. Essa foi a definição de uma amiga para a briga que se desenrola entre a Globo e a Record. E o bafafá tá forte mesmo. A graça é que o foco da disputa deixou de ser a audiência e descambou para o lado da moralidade. A Globo acusa a Record de lavar dinheiro da Igreja Universal (oh!) e a Record acusa a Globo de monopólio (oh!), de se apropriar do dinheiro público (oh!) e de usar seus programas com fins políticos (oh!). No fim das contas, o sujo aponta para o mal lavado e a gente se diverte um bocado.

A rixa entre Globo e Record tem raízes profundas. A emissora carioca foi fundada em 1964 (ô ano glorioso!) e amargou dois anos de muitos prejuízos e pouca audiência. Em 1966, perto de fechar as portas, a emissora adotou uma programação baseada em jornalismo e telenovelas, conseguindo consolidar-se como líder de audiência. A liderança foi roubada justamente da TV Record, até então a maior emissora do Brasil.

Nas décadas de 70 e 80 a Globo viveu uma era de ouro. Vendeu a alma para o diabo e funcionava como sustentáculo do regime militar, ganhando em troca os benefícios da expansão da rede de telecomunicações pelo território nacional, uma das prioridades da ditadura. Devido a essa posição política altamente favorável, fazia o que estava ao seu alcance para massacrar as concorrentes. Conseguiu afogar a TV Tupi e a TV Paulista, mas a Record sobreviveu agonizando. Vendido em partes para o Grupo Sílvio Santos, em 1972, o canal chegou aos anos 80 na UTI, com pouquíssima audiência e quase nenhuma programação própria.

No começo da década de 90, veio a virada. A Record foi integralmente vendida para o empresário-bispo(-e sabe deus mais o que) Edir Macedo. O cordeiro de deus promoveu a lenta reestruturação da emissora, lavando nela os muitos milhões que suas igrejas arrecadavam sob forma de dízimo. Turbinada, a wash machine Record retomou o posto de segunda maior emissora do Brasil, e se preparou para a guerra contra a Globo, que embora líder já não era mais o furacão dos tempos militares.

A disputa que vem fazendo barulho nas últimas semanas já ocorria como guerra fria há tempos. A Record tirou da Globo os direitos de transmissão das Olimpíadas de 2012 e fez uma oferta pelo Campeonato Brasileiro que, dizem, chegou a dobrar a da concorrente, e só não foi aceita por questões políticas.

Aproveitando-se da denúncia do Ministério Público contra Edir Macedo, a Globo resolveu iniciar oficialmente as agressões na segunda, dia 10/8, dando amplo destaque à ação no noticiário. A Record não demorou a responder. Na sexta-feira, dia 14/8, organizou uma vigília de milhares de fiéis pelo Brasil inteiro “contra os ataques injustos da Globo contra a Record e contra a igreja Universal”. No domingo, fez um Record Repórter inteiro sobre os podres da Globo.

Essa briga ainda está no começo, e muitas agressões virão. Nós, telespectadores, ainda nos divertiremos muito com tudo isso. É óbvio que a Globo é picareta, que a Record lava dinheiro e que tudo vai acabar em pizza. O que não se sabe é como se comportarão pós-pizza as duas emissoras de ponta: se buscarão audiência com programação inovadora e de qualidade ou se apelarão pras “táticas superpop”. Resta a nós torcemos para que dê a opção A. Mas que tá o maior bafafá, tá!

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Ei, você ai, me dá um jeitinho ai!


No começo do ano, quando o “choque de ordem” reprimiu as ilegalidades muito ilegais no Rio, o “puxadinho” do bar Espelunca Chic, na Gávea, foi demolido. Não demorou e uma multidão reclamou da ação da Prefeitura, alegando inclusive que a irregularidade já fazia parte do bairro. Na mesma época foi derrubado um edifício ilegal na Rocinha, chamado de "Minhocão", o que também despertou a ira dos moradores locais: “Nós nunca temos nada e quando conseguimos alguma coisa eles vem tirar”, afirmou uma moradora. Nesta semana uma blitz na Zona Oeste rebocou carros com documentação irregular, e um motorista infrator afirmou: “Moro em São Gonçalo e vim até aqui trabalhar. Agora fiquei sem carro. Como vou voltar para casa?!”.

O que esses três episódios tem em comum? Simples: Todos são expressões genuínas da ignorância do brasileiro quando o assunto é o cumprimento da Lei.

A primeira Constituição brasileira foi outorgada por Dom Pedro I em 1824. Incrivelmente, 185 anos e seis Constituições depois ainda não entendemos o que é uma Lei. Como é possível alguém que está ilegal reclamar por ser punido? O discurso tradicional de que “o povo não tem escola e não sabe a diferença entre Carolininha de Sá Leitão e caçarolinha de assar leitão” até ajuda a explicar a ignorância. Porém, como aceitar que a classe média alta tenha se indignado com a demolição do puxadinho ilegal do Espelunca Chic da Gávea? Como explicar o fato de alguém instruído defender a bandalheira argumentando que ela já faz parte do bairro há mais de 20 anos? Quer dizer que se eu bato na minha mulher há 20 anos a agressão é tradicional e não deve ser questionada?

O problema do brasileiro não é apenas a falta de educação, mas também a crença de que o Estado é um pai. O governo, na verdade, é o exato oposto da figura paterna: enquanto a esta cabe cuidar, dando atenção diferenciada e satisfazendo nossos desejos, aquele estabelece regras gerais e cuida para que elas sejam igualmente obedecidas por todos, de maneira formal e impessoal, sem privilegiar ninguém.

Ai está a dificuldade do brasileiro. Como ele vê o Estado como patriarca, acredita que deve ser servido por ele, nunca desfavorecido. Como é obviamente impossível que todo mundo seja plenamente atendido em seus interesses, o "desfavorecido" não apenas se sente indignado quando “se dá mal” como se vê no direito de transgredir o Direito.

A equação, é claro, não fecha: se 99,9% dos brasileiros acreditam que a Lei só deve ser dura no quintal do vizinho, impera o quem-roubar-primeiro-ganha. E quem é o primeiro que pode roubar? O político, que tem poder e conhece o funcionamento da máquina. Ai a sociedade corrupta exime-se de culpa alegando ser essa classe "o" problema, dorme com a consciência tranqüila e acorda na mesma merda de país.

A cultura de não respeito à lei é generalizada. O político reclama do político que rouba, mas também rouba. A dona Maria reclama do político que rouba que reclama do político que rouba, mas não aceita que o prédio ilegal que está construindo seja demolido. O seu José reclama do prédio ilegal da dona Maria, mas questiona que seu carro irregular seja rebocado. No fim das contas, o problema não é a Lei, não é a falta de ensino, não é o político, não é a dona Maria e nem o Seu José: é o brasileiro, que acha que o Estado é o seu pai.

sábado, 8 de agosto de 2009

Jesus Cristo e o Cebolinha


Jesus é um personagem. Nos tempos de Roma, possivelmente para ajudar na criação de um aparelho de controle social, transformaram um indivíduo do oriente médio em profeta. Para fortalecer a lenda, adicionaram a ela uma série de crenças das religiões “primitivas”, a maioria delas nascidas do culto ao sol. O “filho de deus” dos católicos, assim, nada mais é do que um personagem criado a partir de uma série de histórias de fundo astrológico que foram humanizadas na figura de um cara gente boa e cabeludo que conseguiu feitos exdrúxulos como andar sobre as águas, curar enfermos, saltar de bungee-jump sem elástico e assobiar e chupar cana ao mesmo tempo.

Jesus me faz lembrar o Cebolinha. O filho do Seu Cebola também é um personagem, atrai multidões e é difícil de ser imaginado na vida real. Ao contrário do que os romanos fizeram com Jesus, a falha de Maurício de Souza foi não ter aplicado ao seu personagem os mitos atribuídos aos profetas (não só a Jesus, mas a quase todos os outros) como andar sobre as águas, curar enfermos, saltar de bungee-jump sem elástico e assobiar e chupar cana ao mesmo tempo. Se o autor tivesse sido um pouco mais ambicioso, talvez o Cebolinha tivesse deixado de estrelar apenas campanhas de vacinação e embalagens de nuggets e maçãs para virar “cordeiro de deus”.

Prometo enviar uma carta a Maurício de Souza pedindo que ele atribua a Cebolinha poderes sobrenaturais. Poderíamos lançar um gibi extra, no dia 25 de dezembro, entitulado “O verdadeiro Cebolinha” ou “O nascimento do Cebolinha” e começar a relatar sua vida mística, andando sobre as águas, curando enfermos, saltando de bungee-jump sem elástico e assobiando e chupando cana ao mesmo tempo. Como não teremos 300 anos para criar o mito, como os romanos tiveram, teremos que pagar algumas pessoas para dizerem que foram salvas, além de algumas testemunhas dos seus feitos mágicos. Também contrataremos pessoas para disseminarem a religião, prometendo que elas se tornarão santos em caso de êxito.

Com sorte, em 30 anos o filho do Seu Cebola já terá virado um profeta febre-mundial. Desbancaremos Jesus e faremos justiça pelos mais de 2000 anos de enganação dos pobres fiéis que acreditam que o “cordeiro de deus” anda sobre as águas, cura enfermos, salta de bungee-jump sem elástico e assobia e chupa cana ao mesmo tempo. Se tudo der errado, a gente aproveita que Cebolinha será popular, fala errado e nunca estudou para lança-lo como candidato favorito à presidência da república.