quarta-feira, 18 de novembro de 2009

O apagão do Lobão

Na noite do último dia 10 um apagão deixou 18 Estados brasileiros total ou parcialmente às escuras. O Ministro de Minas e Energia Edison Lobão, anta que Sarney impôs ao governo e não entende nada daquilo que administra, tentou explicar a catástrofe empurrando-a para todos os lados. Atribuiu o ocorrido a três raios e ao uso excessivo da capacidade da usina de Itaipu, teses que foram tratadas como piadas pelos técnicos. Depois da série de desmentidos, ficou no ar a pergunta: como mais da metade do Brasil ficou sem luz se temos todas as ferramentas para evitar ocorrências como estas?

A explicação começa no dia 18 de outubro. A edição dominical da Folha de S. Paulo trouxe uma matéria comprovando que devido a um erro de cálculo da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) os brasileiros pagam, desde 2002, R$ 1 bilhão a mais por ano às concessionárias de energia, coisa que o governo sabia. A bomba inflamou a opinião pública, que passou a pressionar por um corte na tarifa e pelo ressarcimento da cobrança indevida (cada consumidor ganharia de volta algo em torno de R$ 110).

À medida que evoluía o trabalho da CPI das Tarifas de Energia Elétrica, criada para investigar o caso, a situação do Ministério de Minas e Energia ficava cada vez mais delicada. De um lado a opinião pública e os industriais exigiam o ressarcimento imediato da bufunfa. De outro, as distribuidoras de energia, politicamente poderosas, tentavam a todo custo evitar esse rombo de R$ 7 bilhões, que ainda viria acompanhado de um corte de 2% nas contas de luz. No meio do caos, o Ministro Edison Lobão patinava para cá, patinava para lá, e não sabia onde enfiar o pepino.

No auge dos debates, quando uma postura firme era cada vez mais exigida do governo e o ressarcimento parecia inevitável... puf! Acabou a energia em quase 2/3 do país sem nenhuma explicação técnica. No dia seguinte a pauta sobre as tarifas parecia que não existia mais. Coincidência, não? O foco do debate sobre eletricidade caiu todo sobre o apagão, e a discussão das tarifas passou a não ser mais do que uma página infeliz da nossa história - um alívio para as distribuidoras de energia e para o governo.

O apagão não foi acidente. Essa sutil falta de luz em mais da metade do Brasil foi obra dos que seriam prejudicados pelo ressarcimento da tarifa indevida. Agora resta esperar que, sem o olhar vigilante da mídia e da opinião pública, os titãs de Brasília assem uma bela pizza e nenhum de nós veja um centavo. O apagão desligou das cabeças brasileiras o tema das tarifas indevidas, e agora não haverá Lobão, vovó, chapeuzinho vermelha, caçador ou três porquinhos que dêem jeito.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Mega-Senna

Ayrton Senna correu na Fórmula 1 por 10 anos. Foi campeão do mundo 3 vezes e venceu 41 corridas. Era um piloto de talento extraordinário, e ocupa qualquer lista dos cinco melhores da história do seu esporte.

Gustavo Kuerten também foi um talento brasileiro raríssimo em um esporte individual. O tenista conquistou 30 títulos ao longo da carreira de quase dez anos, incluindo o tricampeonato de Roland Garros. Ele chegou inclusive a ocupar por 43 semanas o topo do ranking dos tenistas profissionais.

Apesar da semelhança entre os dois atletas no que diz respeito ao talento e às conquistas, a diferença entre eles no imaginário popular é enorme. Guga é um ídolo, claro, mas não chega perto do posto de mito ocupado por Senna. É verdade que o ex-piloto era talentoso e vitorioso, mas porque contraiu este status de santo em um país que não costuma cultuar sua história?

Ayrton Senna virou Ayrton Senna basicamente porque foi o Brasil que deu certo quando o Brasil só dava errado. O ápice de sua carreira estendeu-se entre o final dos anos 80 e o começo dos anos 90, uma época em que nada andou no nosso país. Juro que me esforcei para pensar em algo bom do Brasil nesta virada de década, e só me lembrei de “Os Trapalhões” (que não por acaso viraram mitos).

Vamos a um rápido resumo: no cenário político, escândalos de corrupção atingiram os governos caóticos de José Sarney (85-89) e Fernando Collor (90-92). A economia era um desastre, com uma inflação média anual de 764% entre 1990-1994! Nas cidades, os índices de criminalidade começavam a estourar com o crescimento do tráfico de drogas. Na área cultural, o cinema brasileiro estava sucateado - situação que só mudou a partir de 1995 - e na música duplas sertanejas e grupos de pagode substituíram o rock brasileiro no topo das vendas. Nem o futebol, tradicional válvula de escape popular, nos dava alegrias: em 1990 a seleção completou 20 anos sem título mundial ao perder para a Argentina (e-le-le) na Copa. A geração de jogadores era claramente pouco virtuosa.

Neste país em frangalhos, Senna era uma das únicas – senão a única – razão do orgulho do Brasil. Uma vitória dele não era apenas um triunfo esportivo. Mais do que isso, lembrava ao brasileiro que o país dele tinha algum valor, que havia luz no fim do túnel. Além de ser a ilha de alegria em um mar de caos, Senna ainda reafirmava para o mundo inteiro o valor do Brasil, coisa que ele priorizava, como prova a cor do seu capacete e as bandeiras que ele empunhava ainda dentro do carro após as vitórias. Lembro-me de um show no exterior em que Tina Turner chamou Senna para o palco enquanto cantava “Simply the best”. Ver uma cantora americana chamar um brasileiro de “o melhor” era a glória de uma nação que não tinha motivos para sorrir nem para se reconhecer como valiosa.

Creio que a construção do mito Senna também contou com outros dois elementos fundamentais. O primeiro era o apoio escancarado que ele tinha da Globo, então uma máquina de mídia muito mais poderosa do que é hoje. Senna protagonizava feitos gloriosos, e a emissora encarregava-se amplificá-los a partir de uma ampla cobertura. Também não podemos nos esquecer da cereja no bolo da santificação de Senna: sua morte, em 1994, durante o GP de San Marino. Morrer no auge da carreira e ainda de uma forma trágica selou o caráter de mito do piloto.


O auge da carreira de Senna foi também o auge da depressão brasileira. Não tínhamos do que nos orgulhar, mas ele lembrava aos fins de semana que ainda havia luz no fim do túnel, além de mostrar ao mundo que o Brasil tinha algo de decente. Guga também reunia indicadores objetivos para ser um mito, mas o auge de sua carreira não foi em um momento tão oportuno (ou inoportuno) da história brasileira. Senna virou Senna porque foi o Brasil que deu certo quando o Brasil dava errado.