sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

... and God bless Rio de Janeiro

Os traficantes cariocas resolveram sair do armário. Entre os dias 21 e 25 de novembro incendiaram 70 veículos, 26 ônibus e atacaram cinco cabines da PM. Segundo a versão oficial os ataques seriam uma reação às Unidades de Polícia Pacificadoras. A única prova disso foi um bilhete mal escrito em que supostamente Marcinho VP dizia para sua mulher que “os amigo” estão sofrendo com as UPPs e que uma reação era necessária. E ponto. Não havia um só grampo, uma entrevista, nada mais que legitimasse a versão. A própria Justiça Federal disse não saber quem ordenou os atos. Mas àquela altura não importava mais.


A opinião pública comprou com um sorriso de orelha a orelha a versão oficial vendida pela mídia. E deu seu show particular. Ignorâncias como “terror”, “guerra civil” e “estado de sítio” (dá vergonha só de escrever) caíram no gosto popular. Direitos humanos e xingar a mãe do vizinho passou a ser a mesma coisa. De joelhos, a sociedade mostrou a face burra de quem compra sem pensar o que a mídia diz e a face hipócrita de quem orgulhosamente aponta o fortalecimento da democracia, mas no primeiro sobressalto defende o vale-tudo para preservar seu carro na garagem e sua ida ao cinema. De joelhos, a opinião pública passou a rezar pela salvação.


E ela veio do Estado, que sorriu de orelha a orelha. Ovacionada pela sociedade, a secretaria de segurança comandou uma tropa de mais de 500 policias, 88 fuzileiros navais, nove veículos de guerra e quatro Caveirões, que tomaram brincando a Vila Cruzeiro, no dia 25/11. Três dias depois aproximadamente 20 mil homens, segundo as estatísticas oficiais, invadiram o Complexo do Alemão. As ações, embora necessárias, dificilmente seriam apoiadas de forma tão unânime por opinião pública, governo federal e exército caso não fossem precedidas pelo “terror” dos “inimigos do estado”.


O padrão dos acontecimentos me lembrou muito a armação do 11 de setembro. Também naquela ocasião, um ataque sem precedentes deixou a opinião pública de joelhos. A versão oficial foi que os ataques seriam uma reação “dos amigo” de Alá à política ocidental no Oriente Médio. A única prova disso foi um vídeo mal feito em que um suposto Osama Bin Laden assumiu a autoria de tudo. E ponto. Valendo-se desta versão, nos anos seguintes o governo dos EUA aboliu silenciosamente muitos direitos individuais da sua população e invadiu o Afeganistão e o Iraque. No fim das contas, o “terror” beneficiou as “vítimas”, ou seja, o governo dos EUA. E com o passar do tempo vai ficando claro que “vítima” pode ser lido como “autor” ou no mínimo como “beneficiado”, e que foi tudo um grande teatro para possibilitar ações enérgicas do governo.


O Rio de Janeiro viveu na semana passada seu 11 de setembro. Uma história mal contada, abraçada com tudo por uma opinião pública hipócrita e acéfala, possibilitou uma ação sem precedentes do Estado. Não tenho idéia de quem ordenou os ataques “terroristas” dos traficantes, mas tenho certeza de que a versão oficial envolvendo as UPPs é história pra boi dormir. O Estado e as autoridades envolvidas no episódio ganharam muito com tudo isso para não terem parte nenhuma nos bastidores. E os traficantes perderam demais, e era óbvio que perderiam, para quem foi mandante. Nossas torres gêmeas foram os veículos queimados, a Vila Cruzeiro e o Complexo do Alemão, o Afeganistão e o Iraque e Marcinho VP e Elias Maluco os nossos Bin Ladens. Nosso 11 de setembro foi, afinal, uma bênção para a cidade. And God bless Rio de Janeiro.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Portas de Elite 2

Termina Tropa de Elite 2. O público, eufórico, se levanta e aplaude. A cena ocorreu na minha sessão e me foi relatada por mais alguns amigos. Quando vi aquela empolgação toda da classe média carioca traduzida em palmas senti uma certa vergonha. Trata-se de um filmasso, cinema brasileiro de ponta (até eu que não entendo nada do assunto sei). Mas me envergonhei porque vi que uns tantos-por-cento daquele êxstase coletivo foram de ignorância. Sujeitos alienados que nasceram para a cidadania a partir do filme – e vibraram por isso.

Apesar da trama ser muito muito boa, ela não trás ABSOLUTAMENTE nenhuma novidade para alguém que tenha buscado um mínimo de informações nos últimos anos. O crescimento das milícias, a promiscuidade entre poder público e crime organizado, o sensacionalismo hipócrita da mídia, a corrupção policial. Tudo isso foi assunto recorrente de jornais, revistas e telejornais. Mas a classe média que prefere ver “A fazenda” a um debate político não tem a menor ideia do que se passa a sua volta e descobre fascinada toda essa realidade a partir das aventuras do seu coronel, o D. Sebastião redentor dos tempos modernos.


Pior do que as palmas da ignorância é o cidadão recém-parido. Ele acha que realmente fez um belo trabalho cívico ao ver o filme, que saiu da sala de cinema mais preparado e ativo, que o êxstase foi o começo de uma trajetória. E no chopp depois do cinema xinga o governador, o presidente, o prefeito... qual o nome dele mesmo? É aquele rapazinho do choque de ordem...


Mas a euforia não dá em nada, tem um fim em si. Os aplaudidores da ignorância sairão de lá e voltarão a votar em um deputado porque o vizinho pediu, a não saber o que faz um senador, a pegar um jornal e ir pras colunas de fofoca e a colaborar para a média anual brasileira de um livro lido por pessoa (1!!! eu dise 1!!!).


Tropa de Elite 2 merece aplausos, mas senti nos aplausos um ar de descoberta. E essa descoberta é deprimente, porque não havia o que descobrir: a realidade retratada é flagrante há anos. Mas como a classe média sabe mal e porcamente o que ocorre à sua volta, vê na obra a redenção de seus pecados de alienação. Cre estar exercendo a cidadania. Mas este parto dá origem e um cidadão natimorto, que acha que ver o filme, se lambuzar com as peripércias do coronel e falar qualquer coisa engajada durante o chopp bastam para mudar um país. Com Nascimento nascem, com seus pecados, novamente, padecerão.

domingo, 24 de outubro de 2010

Lalalá das UPPs


Você provavelmente já ouviu este discurso. Basta alguém sofrer um crime na zona sul carioca para um espertalhão cravar: “São as UPPs! Os traficantes não tem mais como ganhar dinheiro e estão descendo para assaltar!”. É um daqueles raciocínios sedutores por serem pseudo-antenados e mostrarem a capacidade do sujeito ligar A com B. Sinceramente eu duvido que algum dos papagaios que repetem isso tenham ido pesquisar para falar sobre o assunto, tampouco conheça um traficante para saber o que ele fez depois que a firma quebrou.

Resolvi averiguar se os crimes de asfalto estavam crescendo. Alice foi ao País das Maravilhas, Dorothy passeou pela estrada de tijolos dourados e eu baixei os números da segurança pública do município do Rio de Janeiro. Até meu sobrinho de dois anos sabe que as estatísticas são fantasiosas, mas como a fantasia abate-se igualmente sobre todos os meses, dá para comparar uma ficção com a outra e saber se em linhas gerias a chapa esquentou ou esfriou.

Comparei os números dos crimes contra o patrimônio, que seriam aqueles adotados pelos traficantes órfãos da boca. Analisei as estatísticas de agosto de 2008, anterior à instalação das UPPs, com as de agosto de 2010. O resultado foi um massacre positivo para os dias de hoje: as únicas formas de crime que aumentaram foram os roubos de cargas, que não importam muito nesta análise, e os roubos em coletivos, passando de 383 ocorrências para 427. TODOS os outros tipos de violência diminuíram, como roubo de celulares, assaltos a pedestres, roubos de casas e de estabelecimentos comerciais. Os roubos de carros, então, despencaram, indo de 1.521 em agosto de 2008 para 917 dois anos depois.

Não tem muito o que argumentar contra estes números. A criminalidade caiu na capital carioca depois da instalação das UPPs. É claro que um ou outro traficante órfão pode ter buscado uma nova atividade econômica roubando no asfalto, um efeito colateral plausível. Mas o fenômeno das UPPs está longe de ter provocado maior insegurança na zona sul. Pelo contrário, reduziu o número de crimes.

Pode comemorar! “Eles” não estão descendo (é impressionante que a gente fala de traficante como se fossem ETs). O Rio não virou o paraíso, mas também não piorou com as UPPs. Tá certo que arrisquei morrer de crise de riso indo ao submundo das estatísticas de segurança pública. Mas ficou claro que a papagaiada de uma zona sul mais perigosa depois da instalação das UPPs é puro lalalá. Quem acreditar nisso daqui a pouco tá acreditando em Chapeleiro Maluco e Rainha de Copas.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Nossos cangurus


O flanelinha é a praga-síntese do Rio de Janeiro, o animal típico da nossa cidade. Ele sintetiza o que temos de pior, sendo, portanto, perfeito reflexo de seu habitat natural.


Estes “profissionais” são acima de tudo criadores de impostos. E o que nós amamos mais do que isso? Vivemos numa nação em que 30% daquilo que cada cidadão produz é sugado pelo Estado sob forma de tributo – uma das taxas mais elevadas do mundo. Engana-se quem pensa que a moda é passageira: já em 1534 D. João III estabeleceu que 20% do ouro extraído do Brasil para Portugal seriam da coroa... um inusitado imposto sobre algo que só seria descoberto quase 200 anos depois! Os flanelinhas apenas dão sequência a essa honrosa tradição, criando um simbólico imposto de “cinco real ai, colega” para que você pare o carro.


Outra prática a que o flanelinha apenas dá sequencia é a de apropriação privada do espaço público. O historiador Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil (1936), já destacava a dificuldade do brasileiro em separar as esferas da casa (o próprio) e a da rua (de todo mundo). O carioca não agüenta ver uma calçadinha sem dono que já vai metendo a mão. Os camelôs montam uma barraquinha, o outro sujeito vende cachorro quente, o mendigo maluquete arma uns papelões e começa a chamar de “minha casa” ou um bar coloca umas mesas pros fregueses. Seja lá de que forma for, o espaço comum não é de todo mundo, mas de ninguém, à espera do primeiro espertinho que virá se apossar dele (assim como ocorre com o dinheiro público). O flanelinha é o que toma para si o fillet mignon das vagas, se achando em plena autoridade de fazê-lo.


Talvez mais impressionante do que esse fenômeno da “flanelagem” seja o fato dele sobreviver sem ser incomodado. A população instruída aceita passivamente ser roubada de pouco em pouco por esses “profissionais” a cada vez que estaciona. É a mania da classe média carioca covarde de se abster dos assuntos públicos, o mesmo deixa-pra-láismo que permitiu, por exemplo, a explosão do tráfico e da violência bem debaixo do seu nariz.


A espécie dos flanelinha é “nascida e criada” na cidade maravilhosa porque aqui encontra as condições ideais para tal. É um subproduto das nossas manias de criar impostos e de se apropriar do espaço público. Pior do que isso, só sobrevive porque a gente acha melhor não incomodar, como se não fosse nosso dinheiro indo para o ralo. Cada lugar tem o animal típico que merece: a Austrália tem o canguru, a Ásia o tigre, a África o leão e o Rio de Janeiro o flanelinha.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Espera arrombar!

No último sábado, dia 1º/5, um turista dinamarquês que fazia trilha na Floresta da Tijuca morreu. Ele seguia o percurso junto com mais cinco gringos quando o corrimão enferrujado que deveria ajudá-lo no trajeto arrebentou e ele caiu ribanceira abaixo. Stephen Skelton só parou de despencar no Rio da Viúva, com ferimentos graves. O resgate, que deveria estar a postos no Parque, demorou uma enormidade para chegar. Stephen só conseguiu ser atendido por um médico mais de meia hora depois, praticamente sem vida.

A Administração do Parque da Tijuca disse que vinha pedindo há tempos à Prefeitura investimentos em infra-estrutura e pessoal qualificado para efetuar resgates. Rodrigo Dantas, secretário responsável pelos parques do Rio de Janeiro, defendeu-se da acusação de negligência por parte do governo, afirmando que a secretaria já tinha um projeto de reurbanização dos parques cariocas: “A intenção é que até 2012 tenhamos reformado todos os 1.134 km de trilhas da cidade. Faremos uma inspeção em todas estas vias durante a semana e interditaremos as que não estejam dentro das normas.”

A morte do gringo numa trilha carioca é chocante, né? Só que é mentira. Inventei tudinho: nomes, datas, dados. Porém, a notícia é verossímil porque já estamos acostumados a ver uma tragédia banal ocorrer e depois todo mundo se compadecer e as autoridades lançarem mão de remendos de emergência.

E o pior é que, enquanto escrevo, uma infinidade de coisas parecidas estão para acontecer. Poderia ter inventado que uma van atropelou um menino e o governo investigará o transporte ilgeal, que uma favela pegou fogo devido aos gatos e subitamente descobrimos que metade do Rio não paga energia elétrica ou que vazaram milhões de litros de esgoto na praia porque (oh!) nosso sistema de tratamento é uma merda. O cardápio é variado, bastas escolher.

Esse menu farto não é acaso. Temos todos, desde o faxineiro até o presidente (porque o faxineiro sempre se fode?), a cultura de não prevenir e depois dar remédios paliativos. Foi assim no caso do morro do Bumba, Gunga, Dumba, sei lá o nome, que desabou durante as enchentes por ser construído (e urbanizado pelo governo!) em cima de um lixão. E estamos vivendo isso neste momento, atrasando as obras da Copa, um atraso que foi classificado pela FIFA como “incrível”. Que glória.

Para o brasileiro, é melhor remediar do que prevenir. Prevenir é chato, remediar é heróico. Surgem os heróis da enchente, os heróis que perderam tudo, os heróis da limpeza da praia, os heróis que doam roupas pros desabrigados, os heróis do resgate. Uma nação de heróis que não deveriam ser e da prevenção que não é. No Brasil, a graça é esperar arrombar a porta para depois botar a tranca.

terça-feira, 6 de abril de 2010

As enchentes

As chuvaradas de verão, quase todos os anos, causam no nosso Rio de Janeiro inundações desastrosas. Além da suspensão total do tráfego, com uma prejudicial interrupção das comunicações entre os vários pontos da cidade, essas inundações causam desastres pessoais lamentáveis, muitas perdas de haveres e destruição de imóveis.

De há muito que a nossa engenharia municipal se devia ter compenetrado do dever de evitar tais acidentes urbanos. Uma arte tão ousada e quase tão perfeita, como é a engenharia, não deve julgar irresolvível tão simples problema.

O Rio de Janeiro, da avenida, dos squares, dos freios elétricos, não pode estar à mercê de chuvaradas, mais ou menos violentas, para viver a sua vida integral. Como está acontecendo atualmente, ele é função da chuva. Uma vergonha!

Não sei nada de engenharia, mas, pelo que me dizem os entendidos, o problema não é tão difícil de resolver como parece fazerem constar os engenheiros municipais, procrastinando a solução da questão.

Cidade cercada de montanhas e entre montanhas, que recebe violentamente grandes precipitações atmosféricas, o seu principal defeito a vencer era esse acidente das inundações. Infelizmente, porém, nos preocupamos muito com os aspectos externos, com as fachadas, e não com o que há de essencial nos problemas da nossa vida urbana, econômica, financeira e social.

Texto de Lima Barreto, de 1915. Dá pra acreditar?

sexta-feira, 19 de março de 2010

Os cinco maiores do século XX

Tentei mudar o estilo dos textos pra deixar de ser polêmico. Jurei que não analisaria “fatos por trás dos fatos”. Falhei em metade da missão. Consegui não falar de teorias da conspiração, mas o que escreverei a seguir, acredito, será bastante polêmico. Depois de muito pensar listei, acompanhada da devida explicação, os cinco brasileiros mais importantes do século XX. A relação não vem em ordem de posição, apenas em ordem alfabética. Seja o que deus quiser.

Chico Xavier – Por coincidência (ou não), se dispusesse os eleitos em ordem de importância Chico Xavier ficaria em primeiro. Ele foi o mais importante médium brasileiro da história, sendo diretamente responsável pelo fato de hoje o Brasil ser o país com maior população espírita do mundo, com 3 milhões de fiéis. Só a trajetória de Chico Xavier como escritor já é espetacular. Em exatos 70 anos o médium psicografou 412 livros, uma média de mais de 5 por ano! Vendeu nada menos que 50 milhões de exemplares em mais de 10 línguas. Além disso – e mais importante – passou os 70 anos de sua vida desde a conversão ao espiritismo ajudando um número incontável de pessoas, que chega facilmente a muitos milhões. Fazia isso ou através da mediunidade ou doando as boladas que ganhava de direitos autorais. Trabalhou em um armazém até se aposentar com 65 anos, e aos 92 anos, em 2002, morreu sem nenhum bem em seu nome.

Getúlio Vargas – Vargas foi presidente do Brasil por 19 anos. Governou o país de forma quase integralmente inconstitucional, entre 1930 e 1945, e depois eleito por voto direto, entre 1950 e 1954, quando se matou. Nos primeiros 15 anos de governo revolucionou o país. Quebrou o lenga-lenga rural da República-velha e lançou as bases do Brasil moderno, iniciando a urbanização, a industrialização, dando direito de voto às mulheres e criando a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). No campo cultural estimulou o desenvolvimento da comunicação de massa e “descriminalizou” o samba, oficializando as escolas. Para coroar estes 15 anos ainda fundou a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), base do futuro surto industrial. No segundo governo, entre 50 e 54, aprofundou o modelo industrial e criou a Petrobras. Não quero fazer aqui uma exaltação de Vargas. Ele foi um ditador e seu legado também inclui o populismo como forma de tratar as massas e a legitimação do emprego da força para justificar o desenvolvimento excludente. Mas para o bem ou para o mal, sem Vargas o Brasil não seria nem perto o que é.

João Havelange – Durante quase todo século XX o Brasil não foi quase nada para o mundo. Éramos um paisinho engraçadinho da periferia, no melhor dos casos. Foi neste contexto que João Havelange conseguiu se firmar como a maior figura do maior esporte do mundo, o futebol. Depois de ser presidente da Confederação Brasileira de Desportos (CBD) foi eleito presidente da FIFA em 1974, cargo que ocupou até 1998. Durante este período levou a Federação a passar de uma pequena instituição defcitária quase despejada de um prédio alugado na Suiça a uma das marcas mais poderosas e ricas do mundo. Visitou 196 países durante o mandato, conseguindo proezas como abrir a fronteira entre Coréia do Sul e Coréia do Norte para sua própria passagem. Seu poder chegou a tal patamar que elegeu também o presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI), Juan Antonio Samaranch, em 1980. Atualmente com 94 anos, acumula medalhas de honra de inúmeros países e foi devido ao seu próprio esforço que o Rio de Janeiro ganhou as Olimpíadas de 2016.

Juscelino Kubitschek – Ao contrário de Havelange, Vargas e Chico Xavier, o que trouxe JK a essa lista foram feitos que ocuparam um intervalo curto do século. As transformações levadas a cabo pelo mineiro ocorreram no período de cinco anos em que foi presidente, que de fato valeram por 50 anos de mudanças. JK catalisou o movimento iniciado por Vargas e definiu o Brasil como um país industrializado, urbano e conservador. Trouxe pela primeira vez grandes indústrias para o país, construiu inúmeras estradas, acelerou o êxodo rural, inchou as cidades sem nenhuma estrutura e alavancou o PIB com taxas de crescimento de quase 10% ao ano. Além disso, construiu Brasília em tempo recorde, definido pelo urbanista Lúcio Costa como “um milagre”. Foi talvez o primeiro empreendedor a governar o Brasil, aquele que teve coragem de meter o bisturi e mudar o rosto do paciente. Ao final de apenas 5 anos o Brasil era um país totalmente diferente do período pré-JK, tanto em qualidades – uma economia muito maior e mais dinâmica – quanto em defeitos – a inflação e a dívida externa estavam galopando.

Pelé – Ser preto e unanimidade num país racista já seria razão suficiente para relacionar Pelé nesta lista. Mas seus feitos esportivos superam esta façanha social. O atacante jogou profissionalmente de 1957 a 1973 pelo Santos, marcando 1284 gols em 1375 partidas, média impressionante de 0,93 gol por jogo. Jogou também 115 vezes pelo Brasil, marcando 95 gols. No total ganhou 30 títulos, entre eles o tricampeonato da Copa do Mundo. Em um esporte marcado por debates polêmicos consegue a proeza de ser apontado por todos os brasileiros e quase todo o mundo como o melhor jogador de todos os tempos, tendo recebido o prêmio de Atleta do Século do COI e Melhor Jogador do Século da FIFA. Devido a toda essa carreira chegou até a parar uma guerra civil na África, em 1969, quando duas etnias que lutavam aceitaram assinar um armistício para ver o Santos de Pelé jogar.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Desfeito estufa

Esse verão foi um maçarico só no Rio de Janeiro. A média das temperaturas máximas foi de 36,2 graus, ao passo que a das mínimas foi de 25,5 graus. Esse calor todo foi um prato cheio pra turma do efeito estufa. Em qualquer conversa sobre o calorão, lá vinha um sabe-tudo dizer que a culpa era do famoso efeito – sendo que a maioria não tem a menor idéia do que ele é.

As notícias para essa turma são ruins. A primeira é que o verão de 1984 foi mais quente do que este, sendo que naquele ano as emissões de gás carbônico do homem na atmosfera, em tese as causadoras do efeito, eram bem menores do que hoje em dia. Outra novidade ruim para os apocalípticos é que o verão quente já era esperado, mas em nenhum momento devido às emissões de gás carbônico. A principal razão, confirmada pelo Instituto de Meteorologia (Inmet), é o famosíssimo El Niño, a alteração na temperatura das águas do pacífico que muda a distribuição do ar quente e úmido da Amazônia. Tal fenômeno é registrado “só” desde o século XIX, não tendo, portanto, nada a ver com o que o homem lança ou deixa de lançar na atmosfera atualmente.

Na contramão do discurso do efeito estufa como causador de qualquer male da sociedade ocidental, há uma corrente capitaneada por Luiz Carlos Molion, meteorologista da Universidade Federal de Alagoas e representante da Organização Meteorológica Mundial no Brasil. Segundo ele, apenas dois fatores alteram a temperatura da terra: a posição do sol, que varia com ciclos de 22 a 24 anos, e a temperatura dos oceanos. As emissões de gás carbônico do homem são totalmente irrelevantes, uma vez que representam 6 bilhões de toneladas num universo de 200 bilhões lançados pela natureza. O efeito estufa, assim, é conversa pra boi dormir.

É impossível saber qual a verdade. Como o clima é algo enorme, todo mundo fala o que quer e ninguém sabe muito onde está o certo e o errado. Porém, o fato é que as pessoas adoram ser apocalípticas e acharem que entendem de tudo, motivo pelo qual o efeito estufa é culpado por qualquer calorzinho a mais. Para esse pessoal, posso apenas lembrar de “catástrofes que não foram”, como o buraco na camada de ozônio (lembra dele?) e a gripe suína (que não pegou ninguém). Bravatas apocalípticas são mais velhas que a humanidade, e achar que elas explicam tudo não leva a nada.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Ai de ti, Haiti

Desde que sofreu um terremoto de 7 graus na escala Richter, há 15 dias, o Haiti, país mais pobre das Américas, é alvo da solidariedade de todo o mundo. No meio dessa tsunami de boa vontade daqueles que nunca fizeram nada por uma nação cuja 80% da população vive na pobreza absoluta, o ex-presidente dos EUA Bill Clinton declarou: “Os haitianos tem hoje a primeira chance de escapar de sua própria história”. Clinton quis dizer que, mais do que reconstruir os prédios, cabia ao mundo refazer as bases da nação destruída. Ao ler isso me veio a macabra sensação de deja vu e o sentimento de que o Haiti pode sofrer um novo terremoto – muito mais destruidor que o primeiro.

A invasão do Iraque, em 2003, foi planejada para ser tão abrupta que sua população ficasse desorientada. Após o sucesso da operação, o governo provisório norte-americano entregou o país de bandeja para as grandes corporações. A reconstrução, calcada na privatização de tudo de valioso que o país tinha, foi planejada exclusivamente pelas nações invasoras, ignorando a vontade do povo iraquiano. Como desfecho, todo mundo sabe, o país virou um caos e os planos de reconstrução foram abandonados pela metade.

Apenas um ano depois, em 2004, países do oceano Índico forram varridos pelo tsunami. Uma dessas nações parcialmente destruídas foi o Sri Lanka, uma ilha no sudeste asiático. A costa paradisíaca do país era habitada majoritariamente por pescadores nativos, um empecilho à construção de resorts de luxo. Depois que o Tsunami varreu essas vilas, com o discurso de reconstruir as bases do país, os fundos internacionais de ajuda exigiram que a costa fosse reservada para resorts. Sem escolha devido à urgência da situação, o governo do Sri Lanka aceitou a exigência e liberou a área costeira para hotéis de luxo, mantendo definitivamente os pescadores em abrigos precários no interior do país.

Tanto no caso do Sri Lanka quanto no do Iraque, os choques – o desastre natural e a guerra, respectivamente - tornaram os locais propícios para a implementação de planos radicais de reconstrução. No fim das contas, o legado de toda essa “boa vontade” para os povos dos dois países foi uma destruição maior do que a que existia anteriormente.

O Haiti é a bola da vez. É o país ferrado e desorientado onde o grande capital poderá fazer o que quiser contanto que use a palavra “reconstrução”. Foi por esta razão que tive um deja vu macabro ao ler a declaração de Bill Clinton. Ela demonstra o mesmo tom prepotente que orientou as reconstruções destrutivas do Sri Lanka e do Iraque. O princípio de tudo é que o povo do país é incapaz de reconstruir-se sozinho se receber o dinheiro necessário, e por isso precisa de tutores. O desfecho é que, sob pretexto de reconstrução, o grande capital aperta a nação para retirar suas riquezas até a última gota, deixando um rastro de destruição e exclusão.

Além disso, é irônico ver um figurão da política norte-americana querendo livrar o Haiti de sua história através de uma maior intervenção dos EUA. O país foi um dos que conduziu o Haiti ao caos, ao apoiar política e financeiramente governos ditatoriais e opressores durante todo século XX. Livra-los de sua história é aumentar a participação de quem atuou de forma mais intensa e negativa ao longo dela?

As perspectivas para o Haiti não são nada boas. Ele caminha para uma “reconstrução” desastrosa, no modelo daquela implementada no Iraque e no Sri Lanka. Para os haitianos, livrar-se de sua história seria livrar-se dos americanos, o exato oposto do que irá acontecer. Reze pelo Haiti, mas saiba que depois do terremoto de 7 graus na escala Richter ele pode ser abalado por outro de milhões de dólares.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Quais nomes xingaremos nos próximos quatro anos?

Estamos em ano par. Ano par é também ano de eleição, em que malas, como eu, saem chutando resultados. Sem muitas delongas, vamos aos meus palpites sobre os pleitos eleitorais:

Corrida presidencial – José Serra (PSD) será eleito presidente após ir ao segundo turno com Dilma Rousseff (PT).

Serra está há muito tempo se preparando para assumir a presidência. Além de já ter sido Ministro da Saúde com relativo sucesso, percorreu nos últimos oito anos o clássico caminho para quem quer ser presidente: prefeitura e governo de São Paulo.

Além deste maior preparo do tucano, ele ainda deve se beneficiar do pouco carisma e do anonimato de Dilma Rousseff. A enorme maioria do Brasil não conhece a petista, e quem conhece não simpatiza com a sua carranca de mulher-macho.

Na eleição presidencial, dá José Serra.

Governo do Rio de Janeiro – A disputa para o governo ficará entre o atual governador Sérgio Cabral (PMDB) e o ex-governador Anthony Garotinho (PR). Para felicidade da zona sul carioca, Sérgio Cabral ganhará a disputa, mas não será fácil.

Garotinho tem muito oxigênio na baixada. Por incrível que pareça ele foi um os melhores governadores da história para as áreas mais pobres do Rio de Janeiro. Deve ter muitos votos nas regiões carentes e entre os funcionários públicos, a quem Cabral prometeu mundos e fundos, mas nada fez.

Entretanto, Sérgio Cabral tem muita força na cidade do Rio devido, entre outras coisas, às iniciativas concretas para diminuir a violência. Além disso, forma uma trinca afinada com Eduardo Paes e Lula, o que rendeu frutos para o Rio de Janeiro, como as Olimpíadas.

A disputa não deve ser fácil, mas Cabral garante o segundo mandato.

Disputa pelo Senado – É um pássaro? É um avião? Não, é César Maia! Sim, ele vai voltar. Após o fiasco completo nas eleições de 2008, o ex-prefeito vem com tudo para a disputa do Senado. Nos bastidores ele já se prepara para abocanhar uma das duas vagas que estarão em disputa em 2010 para, quem sabe, vir candidato a prefeito em 2012.

Para infelicidade geral do município do Rio de Janeiro, a outra vaga deve ficar com Marcelo Crivella (PRB). Este ano encerra-se o primeiro mandato dele como Senador e, a menos que ocorra alguma catástrofe, ele tem tudo para continuar por lá.

Marcelo Crivella em primeiro e César Maia em segundo. Serão eles os nossos futuros Senadores.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Uma PM mais rica... e honesta?

O piso salarial da Polícia Militar deve ser reajustado para R$ 3.200. O anúncio foi feito pelo Ministro da Justiça, Tarso Genro. O acréscimo salarial viria através de uma Bolsa Olímpica e em 2016 seria incorporado definitivamente aos vencimentos dos profissionais. A medida é fundamental para uma polícia melhor, mas acho sinceramente que não vai melhorar nada em curto prazo. Acredito que com ou sem salário alto a polícia continuará não fazendo o que deve (e fazendo o que não deve).

Para explicar minha descrença na melhora do aparato policial volto a 1916. Neste ano foi lançado o primeiro samba da história, “Pelo telefone”, cuja autoria nunca se precisou com certeza. Sua letra dizia “O chefe da polícia / Pelo telefone / Manda me avisar / Que na Carioca / Tem uma roleta / Para se jogar”. Em termos simples, o cantor descrevia uma situação em que um policial o havia avisado sobre a existência de jogatina ilegal em um dos locais mais movimentados do Rio, o Largo da Carioca. Ou seja, ao invés de coibir os jogos de azar proibidos a polícia informa a um cidadão um novo ponto de jogo. Não só não combate o ilícito como o apóia.

Quase um século depois, no ano passado, um amigo de um amigo que namorava uma mulher da Rocinha desceu as ruas do morro discutindo asperamente com ela. Logo ao sair da favela começou a batê-la. Dois policiais apareceram e tentaram contê-lo, sem sucesso, levando um policial a exclamar “Mermão, pára de bater nessa mulher senão eu não vou te levar pra delegacia, não. Eu vou te levar é pra apanhar lá na boca!”. Ele só não cumpriu a promessa porque um traficante, amigo do agressor, convenceu o policial do contrário.

O que se vê tanto no caso de 2008 quanto no de 1916 é o mesmo padrão: a promiscuidade entre o aparato policial e a ilegalidade, o que representa uma inversão completa do dever do profissional. Neste tempo que separa as duas situações o Rio cresceu, se urbanizou, enriqueceu, enfim, mudou completamente. Entretanto, essa feição da polícia continuou intocada.

Fica óbvio, assim, que grande parte da ineficiência policial é uma questão cultural, que em nada tem a ver com suas condições objetivas de funcionamento. É um contexto mais amplo em que o comportamento da polícia reflete a falta de comprometimento da sociedade para com as leis.
Concordo com o aumento para os policiais. Não dá para querer que alguém recuse suborno recebendo R$ 500 por mês. Eu não recusaria. Mas também não acho que um reajuste ou qualquer outra melhoria objetiva na condição dos policiais vá resolver o problema em curto prazo. Na realidade, nada vai resolvê-lo em curto prazo, pois a questão é cultural, o que só se desfaz com o tempo. A única coisa que temos a fazer é conceder melhorias e torcermos pacientemente para que a coisa vá melhorando. A bolsa olímpica nos dá 3.200 motivos para acreditarmos que a polícia será melhor, mas preciso de mais de um milhão pra acreditar nesta utopia.