quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Ai de ti, Haiti

Desde que sofreu um terremoto de 7 graus na escala Richter, há 15 dias, o Haiti, país mais pobre das Américas, é alvo da solidariedade de todo o mundo. No meio dessa tsunami de boa vontade daqueles que nunca fizeram nada por uma nação cuja 80% da população vive na pobreza absoluta, o ex-presidente dos EUA Bill Clinton declarou: “Os haitianos tem hoje a primeira chance de escapar de sua própria história”. Clinton quis dizer que, mais do que reconstruir os prédios, cabia ao mundo refazer as bases da nação destruída. Ao ler isso me veio a macabra sensação de deja vu e o sentimento de que o Haiti pode sofrer um novo terremoto – muito mais destruidor que o primeiro.

A invasão do Iraque, em 2003, foi planejada para ser tão abrupta que sua população ficasse desorientada. Após o sucesso da operação, o governo provisório norte-americano entregou o país de bandeja para as grandes corporações. A reconstrução, calcada na privatização de tudo de valioso que o país tinha, foi planejada exclusivamente pelas nações invasoras, ignorando a vontade do povo iraquiano. Como desfecho, todo mundo sabe, o país virou um caos e os planos de reconstrução foram abandonados pela metade.

Apenas um ano depois, em 2004, países do oceano Índico forram varridos pelo tsunami. Uma dessas nações parcialmente destruídas foi o Sri Lanka, uma ilha no sudeste asiático. A costa paradisíaca do país era habitada majoritariamente por pescadores nativos, um empecilho à construção de resorts de luxo. Depois que o Tsunami varreu essas vilas, com o discurso de reconstruir as bases do país, os fundos internacionais de ajuda exigiram que a costa fosse reservada para resorts. Sem escolha devido à urgência da situação, o governo do Sri Lanka aceitou a exigência e liberou a área costeira para hotéis de luxo, mantendo definitivamente os pescadores em abrigos precários no interior do país.

Tanto no caso do Sri Lanka quanto no do Iraque, os choques – o desastre natural e a guerra, respectivamente - tornaram os locais propícios para a implementação de planos radicais de reconstrução. No fim das contas, o legado de toda essa “boa vontade” para os povos dos dois países foi uma destruição maior do que a que existia anteriormente.

O Haiti é a bola da vez. É o país ferrado e desorientado onde o grande capital poderá fazer o que quiser contanto que use a palavra “reconstrução”. Foi por esta razão que tive um deja vu macabro ao ler a declaração de Bill Clinton. Ela demonstra o mesmo tom prepotente que orientou as reconstruções destrutivas do Sri Lanka e do Iraque. O princípio de tudo é que o povo do país é incapaz de reconstruir-se sozinho se receber o dinheiro necessário, e por isso precisa de tutores. O desfecho é que, sob pretexto de reconstrução, o grande capital aperta a nação para retirar suas riquezas até a última gota, deixando um rastro de destruição e exclusão.

Além disso, é irônico ver um figurão da política norte-americana querendo livrar o Haiti de sua história através de uma maior intervenção dos EUA. O país foi um dos que conduziu o Haiti ao caos, ao apoiar política e financeiramente governos ditatoriais e opressores durante todo século XX. Livra-los de sua história é aumentar a participação de quem atuou de forma mais intensa e negativa ao longo dela?

As perspectivas para o Haiti não são nada boas. Ele caminha para uma “reconstrução” desastrosa, no modelo daquela implementada no Iraque e no Sri Lanka. Para os haitianos, livrar-se de sua história seria livrar-se dos americanos, o exato oposto do que irá acontecer. Reze pelo Haiti, mas saiba que depois do terremoto de 7 graus na escala Richter ele pode ser abalado por outro de milhões de dólares.

Um comentário:

  1. O "Grande Capital" soa meio PSTU ou PSOL, não é? Simbologicamente é bonito, talvez pela luta contra a repressão da avalanche norte-americana. Porém, como a realidade não se apresenta somente em preto e branco, cabe-nos levar em conta a nossa ignorância diante dos fatos - sejam eles preto, branco ou, mais precisamente, em tons de cinza. Ao meu ver, o Haiti somente será benéfico aos corruptos que quiserem "lavar dinheiro", pois infra-estrutura e perspectivas financeiras não são as melhores opções de rentabilidade.

    Ai de ti Haiti, mas alguns americanos de boa intenção não é uma ajuda para se rejeitar.

    CARLOS

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