sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Uma PM mais rica... e honesta?

O piso salarial da Polícia Militar deve ser reajustado para R$ 3.200. O anúncio foi feito pelo Ministro da Justiça, Tarso Genro. O acréscimo salarial viria através de uma Bolsa Olímpica e em 2016 seria incorporado definitivamente aos vencimentos dos profissionais. A medida é fundamental para uma polícia melhor, mas acho sinceramente que não vai melhorar nada em curto prazo. Acredito que com ou sem salário alto a polícia continuará não fazendo o que deve (e fazendo o que não deve).

Para explicar minha descrença na melhora do aparato policial volto a 1916. Neste ano foi lançado o primeiro samba da história, “Pelo telefone”, cuja autoria nunca se precisou com certeza. Sua letra dizia “O chefe da polícia / Pelo telefone / Manda me avisar / Que na Carioca / Tem uma roleta / Para se jogar”. Em termos simples, o cantor descrevia uma situação em que um policial o havia avisado sobre a existência de jogatina ilegal em um dos locais mais movimentados do Rio, o Largo da Carioca. Ou seja, ao invés de coibir os jogos de azar proibidos a polícia informa a um cidadão um novo ponto de jogo. Não só não combate o ilícito como o apóia.

Quase um século depois, no ano passado, um amigo de um amigo que namorava uma mulher da Rocinha desceu as ruas do morro discutindo asperamente com ela. Logo ao sair da favela começou a batê-la. Dois policiais apareceram e tentaram contê-lo, sem sucesso, levando um policial a exclamar “Mermão, pára de bater nessa mulher senão eu não vou te levar pra delegacia, não. Eu vou te levar é pra apanhar lá na boca!”. Ele só não cumpriu a promessa porque um traficante, amigo do agressor, convenceu o policial do contrário.

O que se vê tanto no caso de 2008 quanto no de 1916 é o mesmo padrão: a promiscuidade entre o aparato policial e a ilegalidade, o que representa uma inversão completa do dever do profissional. Neste tempo que separa as duas situações o Rio cresceu, se urbanizou, enriqueceu, enfim, mudou completamente. Entretanto, essa feição da polícia continuou intocada.

Fica óbvio, assim, que grande parte da ineficiência policial é uma questão cultural, que em nada tem a ver com suas condições objetivas de funcionamento. É um contexto mais amplo em que o comportamento da polícia reflete a falta de comprometimento da sociedade para com as leis.
Concordo com o aumento para os policiais. Não dá para querer que alguém recuse suborno recebendo R$ 500 por mês. Eu não recusaria. Mas também não acho que um reajuste ou qualquer outra melhoria objetiva na condição dos policiais vá resolver o problema em curto prazo. Na realidade, nada vai resolvê-lo em curto prazo, pois a questão é cultural, o que só se desfaz com o tempo. A única coisa que temos a fazer é conceder melhorias e torcermos pacientemente para que a coisa vá melhorando. A bolsa olímpica nos dá 3.200 motivos para acreditarmos que a polícia será melhor, mas preciso de mais de um milhão pra acreditar nesta utopia.

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